Última noite de magia
TEATRO | Tatiana
Rocha
À entrada
recebe-nos um rapaz vestido de fato, diz-nos que temos de desligar os
telemóveis, pede o bilhete e podemos entrar. É o segurança. Sejam bem-vindos ao
DISCOTHEATER, esta é a nossa discoteca. Não dizem isto mas é como se dissessem
os jovens atores ainda em formação que dançam ao ritmo das músicas altas e
frenéticas que saem das colunas. Roupas casuais, meninas arranjadas, de saias e
vestidos justos numa Black-box despida onde se vêm os cabos, os projetores, as
paredes humedecidas - não há ilusão aqui. No fundo do palco imensas garrafas
vazias de bebidas alcoólicas, na frente de palco uma linha fronteiriça que
separa plateia feita com garrafas de cerveja já bebida.
Sejam bem-vindos à peça
que vive no limite entre uma discoteca e o teatro encenada por Pedro Penim a
partir dos mestres cantores de Nuremberga de Wagner e textos da autoria do
encenador onde, mais uma vez e como já é habitual que acompanhe o nome, se
questiona a ilusão dramática, a magia teatral, o poder do artifício, a arte, o papel
do ator e o teatro em si.
"Sentimo-nos
como se estivéssemos num sonho. Nós tivemos um sonho e mal, sequer nos
atrevemos a pensar nisso, temos medo de vê-lo desaparecer do pé de nós. "-
Dezanove vozes em coro, já a prepararem-nos para a terrível verdade aqui
discutida: o teatro não passa disso mesmo, uma ilusão, um sonho. Acreditamos
porque são todos tão novos, e estão a começar, e há neles um brilho da
inocência que nos faz estabelecer um paralelismo entre esta ideia do teatro e o
quanto o teatro para eles não é realmente isso, um sonho. “É essa precisamente a nossa missão: interpretar e fixar sonhos. Não
haverá nada mais do que isso. Vamos contar-vos o nosso sonho matinal.”-
Continuam e, da mesma maneira que nos preparamos para os ouvir podíamos estar a
prepararmo-nos para em vez de jovens atores em formação assistir às
performances dos atores do Teatro Praga que em 2006 levaram à cena precisamente
Discotheater, ficando respondido o porquê deste trabalho: uma possível
continuação do que para Penim – membro Praga, é possivelmente um trabalho
continuamente inacabado.
Por serem muitos
atores em palco, são imensas cenas distintas, há uma atriz que se lamenta por
já não possuir o engenho necessário para arrecadar aplausos e colar o espetador
à cadeira, outra que se lamenta porque perdeu a magia - que outras duas afirmam nunca ter tido, e que sem ela não
pode continuar, um homem na discoteca que usa uma rapariga como um farrapo –
prometendo amor em troca de sexo, mulheres desesperadas porque descobrem a diferença
entre realidade e ilusão, verdade e mentiras, intenções e ações, homens que se
perderam de si próprios, homens que se matam com bebida e um coro, que
revezando-se, são todos os atores em cena, salvando os que a cena privilegia. O
perigo deste espetáculo era que as cenas parecessem soltas, sós, como pedaços
separados de uma narrativa que tenta mas não se consegue manter coesa e unida.
No entanto, aqui isso não acontece. Com uma mestria de louvar, as articulações
sabem ser subtis, ora com música, ora com corridas repentinas para os
bastidores que deixam o espetador só confrontado com um enorme palco vazio, ora
com presenças que se esbatem para dar lugar a outros personagens.
No entanto, a questão
central só é definitivamente atirada à cara da audiência quando uma rapariga se
encontra sozinha no palco e encontra naquele silêncio a oportunidade para
falar. “Era este o momento”, diz ela,
e deixámo-lo passar. Refere-se ao silêncio que se instalou, claro, quando nada
acontecia no palco e na plateia já se começavam a mexer desconfortáveis os
espetadores. Embarca a atriz então num longo monólogo que questiona as funções
de atores e público, teatro e sociedade, arte e mundo, à medida que se vai
despindo tanto dos preconceitos como das roupas que traz vestidas. Num assombro
assombroso ao espaço de conforto do espetador, convida-o também a despir-se, a
levantar-se e ir ao palco falar. Convida o público a dizer o que quiser, o que
lhe apetecer. Que diz, ser tão mais genuíno do que o real. É o teatro mais real
do que vida? O ator mais capaz que o Homem? Mais mártir? Menos feliz?
O que Pedro Penim cria
com DISCOTHEATER é um lugar de prazer e diversão no teatro, um memorando das
razões que nos levam a fazê-lo, assisti-lo, escrevê-lo, envolvermo-nos nele. É
como uma folha em branco onde são escritas as perguntas base: para que é que serve
o teatro senão para me divertir? Onde é que acaba a ilusão e começa a
realidade? O que é que é mais verdadeiro? E que procura obsessiva é esta pela
verdade? Quem é que legitima o que é ou deixa de ser verdadeiro?
Não há dúvida,
contudo, que entre as luzes psicadélicas, coloridas, passando pelas frases
projetadas que narram a ação fazendo apontamentos de falas e introdução de
momentos, nomeando cenas, temáticas, até chegar à música com que se despedem
estes jovens atores neste que foi o último espetáculo como alunos, que o
DISCOTHEATER é o limite entre a discoteca e o teatro, entre o ser estudante e
ator profissional com apenas duas certezas no fim: um dia, estes jovens foram
velhos, e esta foi a última noite de magia do que para eles foi um ciclo.
Fosse sempre o teatro
assim, um lugar de discussão de ideias tão capaz e prazeroso.
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Maio de 2013 | Auditório
Balleteatro